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DA NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DO ENUNCIADO N° 141 DO FONAJE - POSSIBILIDADE DE REPRESENTAÇÃO DE PESSOAS JURÍDICAS POR PREPOSTO EM AUDIÊNCIA

  • Leandro Correa Ribeiro
  • 28 de out.
  • 17 min de leitura

Atualizado: 24 de nov.


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RESUMO

 

O presente artigo busca trazer questionamento e solução quanto ao entendimento jurisprudencial exposto no enunciado n° 141 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, que torna obrigatório o comparecimento do empresário individual ou do sócio dirigente nas audiências tanto de conciliação como de instrução processual, trazendo para a lei n° 9.099/95 um aspecto burocrático que vai de encontro aos princípios basilares do microssistema

 

Palavras-chave: juizado especial; microempresa; empresa de pequeno porte; audiência; princípios; fonaje.

 

 

1.            INTRODUÇÃO

 

As microempresas e empresas de pequeno porte representa parcela importante do mercado econômico e empregos do Brasil, tanto que nas mais diversas leis elas são tratadas de forma diferenciadas, sempre com fulcro em facilitar o desenvolvimento delas em todos seus aspectos de atuação. E no judiciário não é diferente. Todavia, uma interpretação antiquada e equivocada do Fórum Permanente dos Juizados Especiais (FONAJE) criou embaraço para a representação dessas empresas como autoras no rito do juizado especial, cujos tópicos abaixo tratarão detalhadamente do tema, trazendo uma solução para acabar de vez com problemática.

 

2. DA CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS

 

Esse texto tem como foco as matérias cíveis, razão pela qual serão mencionadas somente as leis cíveis.

 

Ao viver-se em uma coletividade, uma sociedade, é inevitável a existência de conflitos. E a fim de evitar a autotutela, o estado intervém com sua força coercitiva para que as contendas sejam dirimidas.

 

Para isso, ao longo do tempo, durante todo o período histórico humano, foram criando-se leis para regulamentar o convívio em sociedade. Na famosa obra de Daniel Defoe - aqui colocada de forma bem simplificada que não retrata precisamente a complexidade do livro - não precisava existir leis para Robson Crusoé quando estava sozinho na ilha após o naufrágio. Com a chegada do nativo Sexta-Feira, precisou criar regras de convivência entre eles.

 

Criadas as regras, deve haver um mecanismo para que essas normas possam ser cumpridas, a qual hodiernamente está personificada na figura do judiciário, um dos três poderes, responsável por garantir os direitos individuais, coletivos e sociais e resolver conflitos entre cidadãos, entidades e Estado (art. 5°, XXXV, CF). E a ferramenta para alcançar esse desiderato é a lei processual, que à época da criação dos juizados especiais vigorava a lei n° 5.869/73, revogada pela lei n° 13.105/15, Código de Processo Civil.

 

O Código de Processo Civil estabelece uma quantidade grande de atos e procedimentos, a fim possa garantir o direito de ação, o contraditório e o devido processo legal:

 

 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

 

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

 

E a quantidade de ritos para estabelecer o acesso à justiça, combinado como insuficiência estatal de investimento na infraestrutura judiciária, ausência adequada de informatização, falta de contratação de funcionários e juízes e uma “indústria” de judicialização de conflitos, levam os processos a perdurarem por anos sem uma resposta efetiva, frustrando sobremaneira o jurisdicionado.

 

Buscando facilitar o acesso à justiça e dar uma resposta mais rápida a determinados conflitos, o legislativo criou os Juizados Especiais, estabelecidos pela lei n° 9.099/95 (juizado especial residual), lei n° 10.259/01 (juizado especial federal) e lei n° 12.153/09 (juizado especial da fazenda pública).

 

As leis em questão estabeleceram os juizados especiais, que têm por objetivo simplificar e facilitar os procedimentos, sempre pautados nos critérios de oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conciliação e transação (art. 2º, lei n° 9.099/95), trazendo uma resposta rápida para o cidadão que procura a máquina estatal judicante para a resolução de conflitos menores.

 

O juizado especial, como procedimento simplificado, trouxe alívio para o judiciário, sendo um rito inovador. Contudo, como algumas leis brasileiras, ela não é perfeita. Há lacunas que ensejam interpretação do judiciário, sendo uma dessas interpretações aqui discutida.

 

3. DA MICROEMPRESA E EMPRESA DE PEQUENO PORTE NOS JUIZADOS ESPECIAIS

 

Novamente aqui, a fim de delimitar a esfera textual, a análise será feita em cima da lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juizado especial residual, porquanto os outros retromencionados diplomas atinem a um que envolve causas da justiça federal e outro que envolve causas da fazenda pública, municipal, estadual, do distrito federal e territórios.

 

Há várias constituições de pessoa jurídica, as quais estão quase todas prescritas no Livro II da lei n° 10.406/02, o Código Civil, entre as mais famosas para exemplificar, empresário individual, sociedade limitada, empresa individual de responsabilidade limitada, conhecida hoje como sociedade limitada unipessoal, sociedade anônima e, numa interpretação mais ampliativa, o microempreendedor individual.

 

Os juizados especiais permitem que todas as modalidades de pessoas jurídicas sejam demandadas, excetuando as de direito púbico e as massas falidas (art. 8°, lei n° 9.099/95).

 

Já quanto à possibilidade de enquadramento no polo ativo da demanda, é dizer, de propor a ação, o juizado especial é bem restritivo permitindo somente as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006. A lei também incluiu as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e as sociedades de crédito ao microempreendedor.    

 

Microempresas e empresas de pequeno porte não são modalidades de pessoas jurídicas, mas enquadramento legal para tratamento diferenciado em alguns aspectos, o mais conhecido, o tributário, simplificando o pagamento de tributos e contribuições para empresas que se encaixam no faturamento entre R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões (redação dada pela Lei Complementar n° 155, de 2016), o Simples Nacional.

 

Segundo o Ministério do Empreendedorismo, Da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, os pequenos negócios constituídos de empresas enquadradas na Lei Complementar n° 123, de 2006, representam 99% das pessoas jurídicas do país, correspondendo por cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma média mensal de 80% dos empregos formais.

 

Está-se diante de, referenciando um jargão de um grande canal de tv brasileira, “pequenas empresas, grandes negócios” para o Brasil. A importância dessas pessoas jurídicas é substancial, e a elas devem ser dado todo o tratamento para facilitar a consecução dos seus objetivos: gerar bens e serviços e empregos, movimentando a máquina econômica, num círculo virtuoso que a todos beneficia.

 

A lei dos Juizados Especiais tão logo criada, em 26 de setembro de 1995, foi modificada em 5 de outubro de 1999 pela Lei n° 9.841 para incluir as microempresas como parte ativa nesse microssistema processual, o que foi modificado posteriormente pela Lei Complementar n° 123 para incluir também as empresas de pequeno porte.

 

A possibilidade das micro e pequenas empresas serem parte ativas no Juizado Especial trouxe facilidades para elas resolverem os mais variados conflitos que a Lei n° 9.099 permite, porquanto, além de ter um procedimento simplificado, a primeira instância (sim, na minha opinião, juizado e turma recursal são instâncias diferentes, uma originária e outra revisora) é isenta de custas judiciais, o que barateia o acesso dessas empresas no judiciário, visto que esse não é gratuito, a não ser para os que comprovem hipossuficiência econômica.

 

4. DO ENUNCIADO N° 141 DO FONAJE

 

A fim de começar esse capitulo, cumpre transcrever o Enunciando n° 141 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, FONAJE, criado em 1997 para trazer uma interpretação mais unificada da Lei n° 9.099/95, tanto nas normas que aqui consta como de suas lacunas:

 

ENUNCIADO 141 (Substitui o Enunciado 110) – A microempresa e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente (XXVIII Encontro – Salvador/BA).

 

Como se denota do texto acima, o enunciado é veemente em dispor que a microempresa e empresa de pequeno porte só poderão ser representadas em juízo pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente, exclui, inclusive, qualquer outro sócio, mesmo que com poderes similares.

 

O Enunciado n° 141 colide com dois dos principais princípios orientadores da lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995: simplicidade e informalidade. O princípio do Simplicidade se define por práticas que mitigam a formalidade e a exigências de procedimentos para a realização de um ato, enquanto que o da Informalidade se baseia na ausência de exigências de instrumentos burocráticos para a realização de um determinado procedimento visando a alcançar o mesmo fim; é quase como que um princípio dentro do outro, que se misturam para atingir o mesmo desiderato: facilitar o acesso à jurisdição.

 

Exigir que o dono ou um dos donos da empresa compareça pessoalmente (mesmo que em audiência por videoconferência) não seria extremamente formal e complexo?

 

Muitos podem até pensar em empresas enquadradas na Lei Complementar n° 123 como empresas de estrutura bem módica, com somente um funcionário ou até mesmo o dono como um “faz tudo”. Na realidade, as microempresas e empresas de pequeno porte, principalmente esse última que possui faturamento bem alavancado, possui estruturas complexas com vários funcionários, tendo o empresário ou sócios atribuições intrincada para manter a empresa em pleno e saudável funcionamento, a fim de fazer circular bens e serviços.

 

Esses mesmos empresário e sócios terem que param para comparecer a uma audiência de conciliação, ou até mesmo de instrução e julgamento, nos Juizados Especiais não parece de bom tom; na verdade, vai de encontro com os princípios da Simplicidade e Informalidade. Por que não nomear um preposto para representá-lo (pode parecer contra a semântica, uma vez que o preposto age pela empresa, presenta, isto é, enquanto que terceiro, exemplo, advogado, age por ela, representa)?

 

Preposto é uma pessoa designada por uma pessoa jurídica para agir em nome dela em determinados órgãos ou estabelecimentos, seja no contexto comercial ou jurídico, aqui no microcosmo dos juizados especiais.

 

O preposto, quando em função da pessoa jurídica e com autorização expressa para tal (art. 1.170, Código Civil), não atua por conta própria, mas sim como parte da empresa, espelhando seus atos e vontades. É a verdadeira presença da pessoa jurídica.

 

A supressão do comparecimento da pessoa jurídica por meio de preposto nomeado com poderes expressos para representação, prestação de depoimento, firmação de termos, declarações e realização de acordo parece um retrocesso sem tamanho, contrariando outras leis atualizadas e, inclusive a própria legislação, senão veja-se.

 

A lei n° 13.105/15, Código de Processo Civil, art. 242, § 1°,[1] traz importância para o preposto, indicando que poderá receber citação em nome de pessoa jurídica, o que é corroborado pelos tribunais, valendo a pena citar aresto paradigma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 

EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PRELIMINAR DE NULIDADE DE CITAÇÃO REJEITADA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CONFISSÃO DE DÍVIDA. ÔNUS DA PROVA. SOLIDARIEDADE ENTRE SÓCIAS DA EMPRESA RÉ. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

Apelação interposta contra sentença que julgou procedente a ação de cobrança, condenando as rés, solidariamente, ao pagamento do valor apontado na exordial, com correção e juros, além de custas e honorários advocatícios.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

Há duas questões em discussão: (i) verificar a validade da citação da empresa ré; (ii) definir se as apelantes respondem solidariamente pela dívida reconhecida na sentença.

III. RAZÕES DE DECIDIR

A citação da pessoa jurídica se considera válida quando recebida no endereço da empresa por preposto, administrador ou mandatário, nos termos do art. 242, §1º, do CPC, aplicando-se a teoria da aparência.

A certidão do oficial de justiça goza de presunção de veracidade, somente afastada por prova robusta em contrário, inexistente no caso.O instrumento de confissão de dívida, assinado por representante da empresa ré, comprova a obrigação de pagamento do valor constante da exordial, com divisão em parcelas, cuja inadimplência legitima a cobrança.

Incumbe ao réu comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, nos termos do art. 373, II, do CPC; a ausência de prova pelas apelantes mantém hígida a pretensão do credor.

Documentos constantes dos autos demonstram a qualidade das apelantes como sócias da empresa ré, o que lhes confere responsabilidade solidária pela dívida, em consonância com os arts. 389, 422, 597 e 884 do Código Civil.

A manutenção da sentença evita o enriquecimento sem causa das rés e assegura a observância da boa-fé contratual.

IV. DISPOSITIVO E TESE

Recurso desprovido.

Tese de julgamento:

A citação da pessoa jurídica é válida quando recebida no endereço da empresa por representante, administrador ou preposto, nos termos do art. 242, §1º, do CPC, aplicando-se a teoria da aparência. (Grifo nosso)

A confissão de dívida constitui prova suficiente do crédito, incumbindo ao devedor comprovar fato impeditivo, modificativo ou extintivo.Sócios respondem solidariamente pelas obrigações da sociedade quando comprovada sua participação na contratação e na confissão da dívida.

Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 2º; LINDB, arts. 3º e 4º; LC 35/1979, art. 35; CPC, arts. 8º, 242, §1º, 332, 373, 389, 406, 487, I, e 98, §3º; CC, arts. 264, 389, 422, 597 e 884.

Jurisprudência relevante citada: Não houve citação de jurisprudência.  (TJMG -  Apelação Cível  1.0000.25.177106-9/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Bispo , 15ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/09/2025, publicação da súmula em 03/10/2025)

 

Já o Decreto-lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943, a Consolidação das Leis do Trabalho, que outrora só admitia empregados como preposto, modificou o pensamento arcaico para permitir prepostos não empregados:

 

Art. 843 - Na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes salvo, nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo Sindicato de sua categoria.                   (Redação dada pela Lei nº 6.667, de 3.7.1979)

§ 1º É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente.

§ 2º Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato.

§ 3o  O preposto a que se refere o § 1o deste artigo não precisa ser empregado da parte reclamada. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (grifo nosso)

 Art. 861 - É facultado ao empregador fazer-se representar na audiência pelo gerente, ou por qualquer outro preposto que tenha conhecimento do dissídio, e por cujas declarações será sempre responsável.

 

Como se repara nos artigos acima, o empregador, na maioria das vezes, pessoas jurídicas, podem se fazer presentes por prepostos, podendo está tanto no polo passivo, em casos de reclamatórias trabalhistas, como no polo ativo, como no caso de ação de consignação em pagamento. É uma grande inovação que desburocratizou a justiça trabalhista.

 

Vale menção ao art. 932, III, do Código Civil[2], que imputa a responsabilidade por atos dos prepostos à pessoa jurídica, deixando claro o encargo que a empresa passará ao preposto não será isento de consequências, diante de ações ou omissões equivocados provocados por este.

 

Por fim, não se pode olvidar do § 4º do art. 9° da lei n° 9.099/95:

 

Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória.

 

§ 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício.                (Redação dada pela Lei nº 12.137, de 2009)

 

A própria lei dos juizados especiais autorizou a todas as empresas se fazerem representadas por prepostos, quando rés, em qualquer ato processual, porém os mais destacados são as audiências de conciliação e instrução e julgamento.

 

O § 4ª retromencionado foi necessário pois criavam entraves no comparecimento de médias e grandes empresas nas assentadas. O judiciário tem que facilitar o comparecimento das partes para que possam compor, não dificultar o acesso, mesmo para empresas grandes que abarrotam o judiciário de ações com rés.

 

E seguindo o aforismo “se pode mais, pode menos”, se os juizados especiais aceitam médias e grandes empresas representadas por prepostos, mesmo que na condição de rés, por que não aceitar as microempresas e empresas de pequeno porte?

 

Poderia se dizer: é porque a lei assim determina. Negativo!

 

Não há qualquer menção na lei n° 9.099/95 à representação de microempresas e empresas de pequeno porte pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente. Assim prescreve o art. 8, § 1°, II:

 

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.


§ 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:  

 

II - as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006; (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

 

Por mais que o § 4º do art. 9° mencione que o réu poderá ser representado por preposto sem necessidade de vínculo empregatício, isso não implica que o autor pessoa jurídica é excluído dessa faculdade. Inclusive a alteração feita pela lei complementar n° 147, de 2014, procurou mudar o texto antigo para incluir a possibilidade de prepostos sem vínculo empregatício, o que foi posteriormente replicado pela lei n° 13.467, de 2017 na CLT. O antigo parágrafo quarto estava escrito assim:

 

Art. § 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado.

 

Dizer que por não referir a autores pessoas jurídicas significa sua exclusão é fazer uma interpretação literal e restritiva, indo de encontro ao que a boa hermenêutica propaga: uma interpretação sistêmica, levando em conta os princípios norteadores do juizado especial, especificamente o da simplicidade e informalidade, além de fazer um diálogo das fontes com outras normas brasileiras, a mencionar a Lei Complementar 126, de 2006.

 

A própria Justiça Federal, na II Jornada de Direito Comercial[3], em Plenária realizada no dia 27 de fevereiro de 2015, aprovou o Enunciado 61, cuja descrição segue abaixo:

 

Enunciado 61. Em atenção ao princípio do tratamento favorecido à microempresa e à empresa de pequeno porte, é possível a representação de empresário individual, sociedade empresária ou EIRELI, quando enquadrados nos respectivos regimes tributários, por meio de preposto, perante os juizados especiais cíveis, bastando a comprovação atualizada do seu enquadramento.

 

Para a prolação do enunciado, foi usado o seguinte argumento:

 

“o enunciado 141 do FONAJE cria embaraço injustificável ao acesso à justiça por parte de microempresas e empresas de pequeno porte ao impedi-las de constituírem prepostos para a participação em audiências nos juizados especiais cíveis. Outrossim, o enunciado 135 do FONAJE cria exigência, igualmente desarrazoada, de burocrática e irregularmente coercitiva comprovação de regularidade tributária das microempresas e das empresas de pequeno porte para que possam ingressar com qualquer ação judicial perante os juizados especiais cíveis. Tais exigências, que não são feitas às demais empresas, vão de encontro ao art. 170, inc. IX da CRBF/88 – que elenca, como um dos princípios gerais da atividade econômica, o “tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país” – bem como ao art. 98, inc. I, da CRFB/88, que determina que os juizados utilizem os “procedimentos oral e sumaríssimo”

 

Esse tratamento diferenciado exposto da Carta Magna é reforçado pela Lei Complementar n° 123, de 2006 no art. 74-A, incluído pela Lei Complementar n° 147, de 7 de agosto de 2014:

 

Art. 74-A.  O Poder Judiciário, especialmente por meio do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, e o Ministério da Justiça implementarão medidas para disseminar o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte em suas respectivas áreas de competência. 

 

Como se denota, a criação de embaraço para as microempresas e empresas de pequeno porte contraria o bom direito e o melhor entendimento doutrinário, prejudicando sobremaneira aqueles que devem ser favorecidos (ME e EPP) por sua importância econômica e geracional de empregos

 

5. DA AUSÊNCIA DE FORÇA VINCULANTE DOS ENEUNCIADOS DO FONAJE

 

Nos tópicos anteriores vimos como a imposição de representação das microempresas e empresas de pequeno porte por meio do empresário individual ou por seu sócio dirigente nos juizados especiais cria obstáculos para essas empresas, colidindo com os princípios do próprio juizado (art. 2°, da lei 9.099/95), com a Constituição Federativa do Brasil e a Lei Complementar n° 123/2006.

 

A partir disso, se questiona: Os Juizados Especiais estaduais são obrigados a seguirem os Enunciados do Fórum Nacional dos Juizados Especiais? A resposta é não.

 

O site do Fonaje[4] traz o motivo da criação e os objetivos do Fórum, onde a citação literal do texto é suficiente para instruir:

 

O Fonaje foi instalado no ano de 1997, sob a denominação de Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Brasil, e sua idealização surgiu da necessidade de se aprimorar a prestação dos serviços judiciários nos Juizados Especiais, com base na troca de informações e, sempre que possível, na padronização dos procedimentos adotados em todo o território nacional.

São objetivos do Fonaje:


1.         Congregar Magistrados do Sistema de Juizados Especiais e suas Turmas Recursais;

 

2.         Uniformizar procedimentos, expedir enunciados, acompanhar, analisar e estudar os projetos legislativos e promover o Sistema de Juizados Especiais;

 

3.         Colaborar com os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo da União, dos Estados e do Distrito Federal, bem como com os órgãos públicos e entidades privadas, para o aprimoramento da prestação jurisdicional.

 

Não se pode olvidar da importância do Fonaje e de seus enunciados cíveis, criminais e da fazenda pública que trazem um norte para a decisões do próprio microssistema, facilitando a vida de todas as partes envolvidas em uma relação processual. Contudo, nem todas as interpretações lá constantes são paradigmas e atuais, tanto que vários enunciados foram substituídos nos vários encontros do Fórum.

 

Não obstante a grande importância dos enunciados na interpretação e aplicação da lei n° 9.099, de 1995, não há aqui qualquer caracterização de lei, jurisprudência, decisão ou súmula, mas sim recomendações e orientações procedimentais. O juiz, em momento algum, está adstrito aos enunciados, tanto que quem tem experiência de processos nos Juizados Especiais sabe que muitas das vezes os magistrados não seguem o que foi pronunciado nos encontros do Fórum.

 

Desse modo, como medida de bom senso e bom direito, apoiado nos princípios da informalidade e da simplicidade, bem como no art. 170, IX, da CF e no art.74-A da Lei Complementar n° 123, de 2006, os magistrados atuantes nos processos distribuídos no rito da lei n° 9.099/95 deveriam deixar de aplicar o Enunciado n° 141 do Fonaje. Não obstante isso, o próprio Fórum deveria substituir o enunciado por um que segue a letra do Enunciado n° 61 da II Jornada de Direito Comercial da Justiça Federal. 

 

Todavia, mesmo se o magistrado seguir ou não o Enunciado n° 141 do Fonaje, haverá insegurança jurídica, pois o jurisdicionado dificilmente saberá se esse ou aquele juiz segue o enunciado. Assim, diante de uma audiência em que comparece o preposto, mas o juiz segue o enunciado, a parte autora será cabalmente prejudicada com a contumácia, tendo que arcar com custas, nos termos do art. 51, I, § 2°, da Lei n° 9.099/95.

 

Para melhor dirimir esse conflito de entendimento, seria a criação de uma lei que trouxesse esse alívio para as microempresas e empresas de pequeno porte e pacificação nas interpretações do tema.

 

O então deputado Augusto Carvalho do Solidariedade (SD) em 2018 entregou projeto de lei n° 10.798 à Câmara dos Deputados[5] que visava alterar o art. 74 da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006, acrescentando o parágrafo único seguinte:

 

Art. 74. Parágrafo único. É possível a representação de empresário individual, sociedade empresária ou Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, quando enquadrados nos respectivos regimes tributários, por meio de preposto, perante os juizados especiais cíveis, bastando a comprovação atualizada do seu enquadramento.

 

A proposta acima acabaria com a polêmica do tema, entretanto à época houve vício de projeto, pois se tratava de projeto de lei ordinária, que exige maioria simples nas duas casas (Câmara dos Deputados e Senado), para alterar lei complementar, que exige maioria absoluta no Congresso. Houve sugestão de alteração, sendo posteriormente encaminhado para a Coordenação de Comissões Permanentes (CCP) e estando lá de 18/09/2018 até hoje.

 

A proposta acima, alterada para projeto de lei complementar, colocaria fim a esse entendimento do Fonaje, seguido por muitos juízes. Contudo, a alteração de lei complementar é difícil por exigir do Congresso uma grande quantidade de votos, mesmo em um tema importante que facilitaria a vida das microempresas e empresas de pequeno porte.

 

A alteração do § 4º do art. 9° da lei n° 9.099/95 seria mais viável, por já estar dentro do microssistema do juizado especial e por ter mais facilidade de aprovação no Congresso. Visando a abrangência das pessoas jurídicas como autores nos juizados especiais, o §4º do art. 9º da lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995 passaria a ter o seguinte texto:

 

Art. 9º § 4o A pessoa jurídica ou titular de firma individual poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício.

 

Essa alteração colocaria uma pá de cal na discussão sobre a possibilidade das microempresas e empresas de pequeno porte, como autora, serem representadas por prepostos nos processos, especificamente em audiências de conciliação e instrução e julgamento, trazendo grande alívio para essas pessoas jurídicas que necessitam do judiciário para fazerem valer seus direitos e muitas das vezes têm dificuldade de se fazerem representadas pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente.

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os juizados especiais trouxeram revolução para o judiciário brasileiro, criando um microssistema que agilizou causas de pequenas complexidades que abarrotavam a justiça comum, criando um círculo vicioso em que essas ações atrasavam o andamento da justiça e fazendo com que essas ações de rito mais simplificado perdurassem por anos a fio. A lei 9.099/95 ao permitir o ingresso das microempresas e empresas de pequeno porte trouxe outra inovação, pois permitiu o acesso a esse procedimento para essas pessoas jurídicas, que é gratuito em primeira instância, facilitando a persecução de seus direitos. Contudo, como nem tudo é flores, o entendimento do Enunciando n° 141 do Fonaje traz uma burocracia desnecessária para a representação dessas empresas no juizado, enunciado esse que pode não ser seguido pelos juízes, por ausência de força vinculativa, mas que uma alteração legal acabaria com a discussão.


[1] Art. 242. A citação será pessoal, podendo, no entanto, ser feita na pessoa do representante legal ou do procurador do réu, do executado ou do interessado.

§ 1º Na ausência do citando, a citação será feita na pessoa de seu mandatário, administrador, preposto ou gerente, quando a ação se originar de atos por eles praticados.

[2] Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;



 
 
 

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